quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Pedaço de mim

Sou saudosista. E nostálgica.
É piegas ser assim. Mas é assim que eu sou.
Gosto de ver fotos antigas, gosto de falar sobre o passado, recontar ou ouvir novamente velhas histórias, falar sobre os antepassados, ou sobre a infância dos meus pais, ouvir músicas da minha própria infância...sempre fui assim, desses seres que tem um olho voltado para o futuro mas o outro, inevitavelmente, mira o passado.
E claro, tenho saudades. Provavelmente é um dos sentimentos mais fortes que me acompanham. Eu acordo com ele e durmo com ele, todos os dias.

Tenho saudade de coisas diversas.

Tenho saudade da minha avó Maria, da sopa do final da tarde na casa dela, de assistir novela com ela, do cinzeiro com enormes bitucas de Charm que ela deixava ao lado de sua cadeira. Tenho saudade dos vestidos dela.
Tenho saudade da Mina e da Dindinha, minhas duas outras velhinhas amadas que moravam com minha avó. Tenho saudade das bolachas guardadas no armário de roupas e mais ainda, tenho saudade das balas de mel, que nunca mais me foram oferecidas.

Tenho saudade de ouvir Cinema Transcendental do Caetano na sala de música da minha casa velha em Pirassununga, deitada no chão, com o fone de ouvido gigante me isolando de todo o mundo, enquanto o sol queimava o quintal lá fora. Tenho saudade dessa sala de música, com o piano, as caixas de som e a melhor coleção de vinis do mundo.

Tenho saudade dos velhos LPs de vinil, com o lado A e o lado B e as brutais diferenças entre os dois lados, histórias completamente diferentes a serem contadas por cada lado do LP.

Tenho saudade do meu irmão que pouco vejo.

Tenho saudade das bonequinhas de borracha e dos livros infantis que outro irmão me trazia, quando vinha nos visitar, na minha infância em Pirassununga. Ele vinha de longe, chegava de madrugada, mas antes de ir dormir, passava pelo meu quarto e deixava os pequenos presentes ao redor da minha cama, só para que eu soubesse, ao acordar, que ele estava lá.
Tenho saudade da alegria que eu sentia quando acordava e constatava que meu irmão estava lá.

Tenho saudade do dia do nascimento dos meus filhos. Tenho saudade da sensação de poder que me invadia a cada parto, da certeza que eu podia tudo, enquanto estivesse com meus filhos em meus braços. Até hoje, se eles estão comigo, ao alcance de minhas mãos, eu tudo posso.
Tenho especial saudade de amamentá-los, os meus olhos nos olhos deles, e o hálito doce dos meus bebês me embriagando.

Tenho saudade da Rua Joaquim Procópio, 1875, a casa velha, suas histórias, seu porão e a importância dessa casa para a minha mãe.

Tenho saudade dos finais de tarde, quando meu pai chegava da fazenda, a caminhonete cheia de galões de leite, sacos de laranja e outras coisas que ajudávamos a descarregar. Tenho saudade de meu pai com suas botas da fazenda e o cheiro que ele trazia de lá, enquanto sentava na cadeira da área de serviço para descalçá-las.

Tenho saudade do céu cor de rosa dos finais de tarde em Pirassununga. Procuro por ele a cada volta que faço à minha cidade.

Tenho saudade do mundo antes da invasão da escola em Beslan, na Ossétia do Norte, Rússia, em 2004. Tenho saudade de quando eu não sabia que centenas de crianças haviam sido mortas por causa de fanatismo, poder e preconceito. Não as conheci, mas tenho saudade dessas crianças, de cada uma delas.

Tenho saudade dos shows dos Ramones, saudade de cada show deles que eu assisti.
A expectativa, o aquecimento, a excitação de saber que o momento estava chegando, o camarote e o indefectível "One Two Three Four" que precedia cada música...

E tenho saudade da Marisa. Há mais de 20 anos eu tenho saudade da Marisa e então vou concluindo que a saudade não passa nem arrefece, apenas molda-se às nossas vidas, como uma sombra perene.

A saudade, às vezes, mata um pouco da gente.

2 comentários:

Anônimo disse...

"Que me quereis, perpétuas saudades? / Com que esperanças ainda me enganais? / Que o tempo que se vai não torna mais, / E se torna, não tornam as idades,"

Anônimo disse...

Ah, Fabiana, não posso mais ler seu blog, sempre me acabo em lágrimas... acho que também é saudade.