quarta-feira, 17 de junho de 2009

Ashes to ashes

Nasci e cresci em uma única casa.
Para quem é canceriano, como eu, isso tem um peso enorme.
A criação de raízes é fator determinante na felicidade e tranquilidade de um canceriano.
Sou nascida em 26 de Junho, o que faz de mim uma canceriana, com toda a necessidade de raízes típica dos meus similares.
Não é fácil nem leve ser assim, mas essa sou eu.
Minha mãe nasceu e cresceu nessa mesma casa.

Nasci e cresci na Rua Joaquim Procópio de Araújo, 1875, em Pirassununga. Essa casa já teve outros números, quando de mudanças de numeração da rua (já foi número 85, presumo, e já foi número 1661, tenho certeza). Mas o número 1875 acompanhou-me por grande parte dos anos da minha vida.
Minha casa era uma construção grande, espaçosa, com inúmeros quartos ( o que sempre foi motivo de piada entre meus amigos, afinal, como abrigar tantos irmãos sem ter inúmeros quartos?), confortável e acolhedora.
Havia um campo de futebol no fundo da casa que, quando eu tinha mais ou menos 9 anos, foi transformado na mais deliciosa piscina, onde pude desenvolver meus laços aquáticos com meu pai nadador.

Havia uma mangueira no centro do quintal, e quando a árvore dava flores, o quintal ficava repleto com a florada dela.
Minhas cachorrinhas eram comedoras de manga, e cada fruta que caía do pé era prontamente devorada por elas, e depois só encontrávamos o caroço.

Minha casa tinha passagens em cantos diferentes, uma para a casa da minha vó e outra para a horta da Mina, que também nos levava à casa de minha tia. Portanto, minha casa tinha passagens para lugares de prazer imenso. Minha casa era um lugar de prazer imenso.

Meu quarto era repleto de fotos de cantores de rock e mesmo depois de adulta, as marcas da fita durex que eu usava para pregar os recortes fixaram-se de tal forma à parede que a lembrança das fotos tornou-as eternas.

Minha casa tinha o quartinho de música, com o piano, o violão, a vitrola (e depois o aparelho de som), a melhor coleção de LPs que já conheci, a máquina de costura de minha mãe e as diversas partituras de clássicos.
Minha casa tinha a figura de todos nós, os filhos, nos exercitando ao piano.
Mais que tudo, minha casa tinha a figura de minha mãe, ao piano, mostrando a todos nós como é que realmente se tocava o instrumento.

Minha casa tinha canteiros maravilhosos, cuidados pela minha mãe, cheios de antúrios e outras flores. Lembro do cheiro da água batendo no calçamento do quintal, quando minha mãe regava as plantas. Lembro do cheiro da água evaporando-se.

Lembro do som do chão pisado, graças ao porão que lá existia. Lembro do telhado, das calhas.
Lembro de tudo.

O quintal me serviu para muitas coisas. Lá joguei vôlei com as minhas amigas, lá joguei futebol com meu irmão, lá vi meus filhos armarem arapucas de papelão para pegar passarinhos...mais recentemente, lá dancei todas as minhas coreografias de ballet.
Lá agradeci, rosto voltado ao sol, as minhas possibilidades.
Eu lembro de tudo.

Nada conseguimos fazer para evitar a construção de dois prédios, um de cada lado de minha casa.
A casa tornou-se gelada, sem o sol entrando nela, e meus pais, mesmo sem querer, se mudaram.

A casa onde meus pais moram hoje fica na mesma rua, e é maravilhosa. Racionalmente é ainda melhor que a "casa velha", porque é mais bem planejada, é mais moderna e é realmente linda.
Estou muito feliz que meus pais estejam lá.
A casa nova também tem uma piscina linda, um jardim florido e um parquinho onde meus filhos se acabam.
Para uma canceriana, lidei muito bem com a mudança. Estava até orgulhosa de mim mesma quanto à isso.

Porém, há algum tempo atrás, cobriram a minha casa velha com tapumes. Mal dava para vê-la por entre eles.
E agora, recentemente, começaram a demolí-la.
Passei muito mal. Assumo, foi uma merda!

Escalei os tapumes e pude ver, através das paredes quebradas, a parede da sala, os corredores laterais, o jardim da piscina...e eu pude ver a parede do meu quarto. E por um instante, achei que tivesse visto as marcas das fitas durex que pregaram, por tantos anos, meus recortes dos cantores de rock and roll na parede.
Chorei, sofri e me senti uma boba.

Porque o que fica são as lembranças.
Meus pais estão vivos e bem, meus irmãos estão vivos e bem.

Mas que saudade da minha casa!

Quando eu morrer, se possível for, quero que alguém cuide para que minhas cinzas ou algo de mim seja depositado na Rua Joaquim Procópio de Araújo, 1875. Não me importa o que lá funcione e nem qual a construção que lá exista na época.
Só peço que alguém faça isso por mim, que deposite algo de mim em frente à minha casa velha.
O vento vai se encarregar de me fazer entrar...

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Esse ano vai ser nosso!

1986...
O ano de 1986 foi extremamente marcante em minha vida.
Eu fiz 16 anos em 1986.
Em 1986 eu iniciei o 1º Colegial, eu conheci amigos que se tornariam parte integrante de minha vida até hoje, eu experimentei sensações e porque não, atrações à parte.

Em 1986 eu ganhei o mundo.
Em 1986 eu comecei a gravar meu programa na rádio de Pirassununga (..."this is Rock and Roll Radio, stay tuned for more rock and roll!"), tendo como parceira uma irmã de uma vida. E eram LPs, e fitas K7, e manhãs de sábado dedicadas à gravação do programa.

A cada sábado, às 7 da noite, meu programa ia ao ar. Era a hora que nos arrumávamos para sair.
Meus amigos se arrumavam ouvindo o nosso programa. Era interior, era 1986, 8 horas da noite estávamos na rua. Saíamos cedo e voltávamos tarde.
Era bom demais.

1986 foi o ano que tornei-me mulher, quando descobri meus poderes e o peso deles.

1986 foi o ano que perdi minha vó Maria.
Minhas mais doces lembranças...só mais um prato de sopa com ela, é tudo o que eu pediria.

1986 foi o ano que antecedeu a partida da Marisa. Portanto, 1986 foi meu último ano com a Marisa, o que, por si só, torna 1986 um ano incrivelmente maravilhoso.
Se, por um acaso, eu tivesse tido a possibilidade de saber, eu teria a abraçado mais, telefonado mais, amado mais...isso com certeza teria me matado, mas eu a teria tido mais perto de mim.
O que me consola é que tenho certeza que ela sabe. Minha doce Marisa sabe, e sempre soube.
As duas, minha vó Maria e minha doce Marisa, guardam meu lugar perto delas, disso estou certa. E guardam também o lugar de todos a quem eu amo.

1986 foi o ano da turma "da pesada", uma gang de amigos de fazer tremer a cidade (ao menos eu assim imaginava). Grandes figuras, grandes amigos, grandes aventuras, grandes contravenções...de verdade, éramos "foras da lei".

1986 foi o ano que pixei o muro da minha escola. Apagaram no dia seguinte, mas a mancha ficou lá, ao fundo, por muitos anos.
1986 foi o ano que descobri, de verdade, o prazer em escrever.

1986 foi o ano do Postinho. Para quem lá esteve, a importância disso é gritante.

1986 foi o ano das Brincadeiras do Clube. Dançar em um sábado à noite ao som de Bowie, Cure, Ramones, The the, Siouxsie...realmente!

1986 foi o ano das festas da casa da Fer. As melhores festas da minha vida, rock and roll na veia, puro e simples, grosso e cru.

1986 foi o ano da Aeróbica do Daniel. Malhação pesada, semente plantada, inesquecível. O que sou hoje, no que diz respeito a esportes e à malhação, devo muito a ele.

1986 foi o ano que comecei a namorar o Klau.
Tudo truncado, tudo proibido, mas a gente insistiu.
Ninguém acreditava de verdade, acho que nem mesmo a gente, mas aos 16 anos eu comecei a namorar (escondido!) aquele que viria ser o pai dos meus filhos, o meu melhor amigo (ainda que nossas diferenças sejam imensas, e talvez graças à elas sejamos tão unidos), o amor de toda uma vida.
1986 foi o ano que, mesmo sem perceber, brigamos para ficar juntos, com nossas jaquetas de couro e nossos discos dos Ramones.
Foi o ano que começamos a correr juntos, com a Klein nos acompanhando, e que nossos laços passaram a ser feitos de aço.

10 anos depois nos casamos.
14 anos depois tivemos o Luigi.
16 anos depois tivemos o Joey.

E há exatos 23 anos vamos nos moldando, nos fundindo e nos tornando um só, um só formado por dois seres tão diversos mas tão similares também.
Mas nunca nos esquecemos de quem somos, e de que somos únicos e somos seres com necessidades distintas.
Foi essa percepção que nos uniu.

E vamos assim, fazendo nossos planos e aos poucos, conseguindo tudo o que queremos. Porque o que queremos não é tão complexo.
Nós só queremos saúde para nossos filhos e que eles sejam pessoas do bem.
Nós só queremos ter a oportunidade de ajudar quem está próximo a nós.
Nós só queremos que nossos pais estejam bem e sabemos que quando eles não estiverem bem, é nosso dever e nosso privilégio ajudá-los.

1986 foi o ano que me proporcionou viver, nos tempos modernos, uma verdadeira História de Amor.