sábado, 12 de setembro de 2009

Princípios para a ação

Nasci e cresci em uma família bastante "politizada". A verdade é que nós, lá em casa, sempre temos opinião sobre os mais diversos assuntos, e gostamos de conversar sobre tudo.

Nasci em 1970, na parte "dura" da ditadura militar.
Um dos meus irmãos nasceu em 1964, bem quando ocorreu o golpe militar.
Vivi meus primeiros 18 anos em Pirassununga, onde existe um grande regimento do quartel e a AFA - Academia da Força Aérea (graças ao céu de Pirassununga, indiscutivelmente o céu mais bonito do mundo).
Sendo assim, Pirassununga viveu muito a "era dos militares".

Meus pais não eram militares. Realmente não, de forma alguma.
Meus pais eram professores. Partidários da informação, do poder da informação.

Cresci ouvindo meus pais contarem sobre a ditadura militar. Sempre interessei-me muitíssimo pelo assunto.
O golpe, a morte do estudante, a missa na Candelária, os padres protegendo os participantes, a luta armada, o DOI-CODI, as torturas, o exílio...enfim, eu sempre quis saber de tudo e meus pais sempre me deram as respostas.

Meu pai teve muito receio de ser preso quando ocorreu o golpe, unicamente porque ele era professor e como professor, seria visto como "comunista" e sendo assim, inimigo do "estado".
Meu pai nunca foi comunista, mas ele realmente era contra, fortemente, àquilo tudo que estava acontecendo naquela época.
Ele tinha 8 filhos para criar (eu ainda não havia nascido) e acho que isso o impediu de ir às ruas, gritar contra o golpe.
Mas ele passou à cada um dos seus filhos o horror à ditadura, aos sistemas totalitários, ao poder imposto.
Ele fez, portanto, muito mais do que ir às ruas...ele perpetuou o nojo ao totalitarismo, através de seus filhos.

Durante minha adolescência, li tudo o que achei sobre a ditadura militar. Em especial, li um livro chamado "1968 - o ano que não terminou" do Zuenir Ventura.
Li esse livro mais de uma vez.

Sei muito do que ocorreu naquela época.
Sei muito mais do que as pessoas da minha idade geralmente sabem.

Certa vez, quando eu era adolescente, meu pai me contou que, no auge da ditadura, vários livros foram proibidos e quem os tivesse em casa correria grande risco de se meter em sérios problemas.
Ele me disse que as pessoas costumavam fazer fogueiras em seus quintais para queimar os livros que eram proibidos e, dessa forma, se houvesse uma invasão às suas casas, nada seria encontrado.

Minha casa tinha um quintal grande, onde certamente meu pai poderia ter feito sua fogueira e queimado seus livros proibidos.
Na minha casa certamente havia fogo, para queimar a fogueira.

Mas para meus pais, livros são para ser lidos, e não queimados.
Meu pai não queimou um livro sequer...
Ele os enterrou.

E o quintal que serviria de casa para a fogueira destruidora, serviu de abrigo aos livros proibidos, guardando-os em um buraco fundo, feito pelo meu pai, enquanto a ignorância governava o país.

Ele me contou essa história muitos anos depois, quando os livros já estavam todos desenterrados.
Eu ouvi, maravilhada!

E vários anos depois, enquanto conversava com ele, ele abriu uma gaveta e me deu, de presente, um desses livros. O livro se chama "Princípios para a ação". Foi talvez o maior presente que alguém me deu na vida.
Nunca me esqueci, e o livro está do lado da minha cama.
E foi meu pai que me deu.
Ele o guardou, o enterrou, o desenterrou e o deu para mim!

É um livro lindo, que vai ficar comigo para sempre.
Assim como os exemplos de meus pais.
Assim como a coragem de meus pais, e a fidelidade aos princípios.
Nossa alma não tem preço, nossa alma não se compra!

(Texto escrito ao som de "Spirit on the water" de Bob Dylan)

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