sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Cora!

"Todas as Vidas"

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado, acocorada
ao pé do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de São-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha, e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo ser alegre
seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida - a vida mera das obscuras!

Cora Coralina - 1889/1985

("Cora Coralina - Coração do Brasil" - exposição a partir de 29/9 no Museu da Língua Portuguesa)

Eu só me atrevo a citá-la porque minha admiração é imensa!

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