domingo, 19 de julho de 2009

Canaã na Vila Caiçara

"Comparada aos desertos circundantes, a terra de Canaã era uma terra de fartura, onde havia uvas e outras frutas, azeitonas e mel, daí ter sido vista por Abraão - originário da região do atual Iraque - como a "terra prometida", "onde corre leite e mel".

Eu gosto muito de praia e mar. Sempre gostei. Meu pai também.
Durante toda a minha infância e anteriormente, durante toda a infância dos meus irmãos, tivemos uma casa de praia, mais precisamente na Praia Grande e mais precisamente ainda, na Vila Caiçara.
Íamos sempre que podíamos, o carro lotado de bagagem e obviamente lotado de gente.
Levávamos comida, leite, travesseiros e eu, particularmente, levava a minha imensa vontade de mergulhar naquele marzão.

Naquela época, a Praia Grande não era, de forma alguma, o que é hoje. Poucas casas, ruas de areia e uma vastidão de área vazia, sem pessoas, de frente ao mar.
Naquela época, a viagem por si só era uma grande aventura. Para chegarmos à praia, tínhamos que entrar na cidade de São Paulo, à qual ninguém estava habituado. Meu pai mandava todo mundo calar a boca, desligar o rádio e ler as placas, para que não nos perdêssemos.
E nos perdíamos.

Descíamos a Serra do Mar e, lá pelas tantas meu pai, invariavelmente, dizia : "Ué, acho que os freios não estão funcionando".
Eu amava!

A Praia Grande era nosso destino certo, no verão e no inverno também.
Talvez por isso eu goste tanto de praia, faça calor ou frio. Gosto da umidade grudando na pele, do cheiro da maresia, de pisar na areia e sentir as ondas batendo nas costas.

A Praia Grande era nossa, só nossa.
Nossa e da nossa barraca listrada de vermelho e branco.

Ontem, eu, o Klau e os meninos resolvemos ir para Santos, visitar o Aquário. Descemos pela Anchieta, ao invés de descermos pela Imigrantes.
A pista mais estreita, a proximidade da encosta, me lembrou de alguma forma, das minhas idas à Praia Grande, em minha infância.

Lendo as placas que se sucediam na estrada, perguntei ao Klau se poderíamos passar na Praia Grande para que eu visse, mais uma vez e depois de mais de 15 anos, a nossa antiga casa da praia, que há muito meu pai havia vendido.

Custamos muito a achar a rua, porque eu já não me lembrava ao certo da entrada correta, e estava procurando no lugar errado. Mas perguntando para as pessoas na rua, felizmente citei o nome Vila Caiçara e me informaram que eu deveria seguir adiante, beirando o mar, que chegaria no lugar.
Assim fizemos e após uns 5 quilômetros, avistei a Avenida Maringá, que de avenida não tem nada, sendo uma rua simples.
A rua está agora asfaltada.
O terreno baldio que existia na esquina da minha casa agora abriga uma construção que, ironicamente, já está velha.
Mas a nossa casa está la. Avenida Maringá, 450.
Ela foi reformada pelo meu pai alguns anos antes de ser vendida e está em bom estado de conservação.
E está à venda!

Meus filhos no carro não entendiam porque havíamos desviado de nosso caminho original só para ver a fachada de uma casa.
Acho que tampouco meu marido entendeu. Somos tão diferentes nesse aspecto.
Mas apesar dele não entender, ele sabe dessas minhas necessidades e, mesmo nos perdendo, e tendo que pedir informações na rua, e eu tendo que ligar para meus pais e para minha tia para confirmar o endereço...ele me levou lá.

Enfim, a casa...a casinha da praia.
Desci do carro, tirei fotos, e a umidade grudou novamente na minha pele, e o cheiro da maresia invadiu minhas narinas.
E lembrei-me dos nossos almoços fartos, feitos com a linguiça do sítio, arroz e salada de tomate. Chegávamos da praia esfomeados e nos fartávamos com isso.
Lembrei dos litros e litros de água do mar que engoli, enquanto conversava com quem quer que estivesse ao meu lado, enfrentando as ondas da Praia Grande.
Cheguei a ir para o Hospital, de tanta água do mar que engoli.

E cantei de novo no chuveirinho externo, com porta de madeira pequena.
E comi churros no Centrinho com a Marisa.
E cochilei no sofá de plástico da sala.
E sujei o pé de pixe na areia da praia.
E dormi em beliche.

Na parte superior da fachada da nossa casinha de praia havia uma placa, onde se lia "Canaã".
Pensando hoje, percebo a perfeição desse nome.
Nossa casinha na praia não era grande, ao contrário. Era uma casinha simples, pequena, geminada, onde cabia uma família grande, cheia de crianças.
Nossa casinha na praia não era localizada em praia chique, mas a imensidão de areia que lá existia para corrermos não se encontra em outro lugar.

Canaã quer dizer terra de fartura.
E era isso que tínhamos lá.

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